
Como editor, Filipe Larêdo organizou e publicou em 2015 (Empíreo) uma interessante homenagem a "O Corvo", de Edgar Allan Poe, atravessada pelo elemento fantástico e por vezes perturbador. Em "A cabeça na cama" (Empíreo, 2018) narrativa cuidadosa e atenta (nota-se que o cuidado vai aos detalhes), é novamente o elemento fantástico quem dá o tom, a sinalizar, ao que parece, uma afinidade de Larêdo com o gênero. Desta vez, entretanto, como escritor. "A cabeça na cama", aliás, revela um competente escritor, seja por sua qualidade imaginativa, seja pela tessitura bem estruturada. Tais qualidades dão ritmo, vigor e sabor à história, que, não obstante o elemento fantástico, se apresenta em paradoxais tons de realismo - sem sobressaltos, entretanto. Em dado momento da leitura, o leitor temerá, talvez, que o autor tenha apertado demais o nó fundamental da história - a cabeça que aparece inexplicavelmente na cama do casal Tomás e Elisa, e seus desdobramentos, de modo a não lhe sobrar senão soluções fáceis (temos visto isso acontecer, por exemplo, em séries televisivas, das quais "Lost" é um inesquecível e infeliz exemplo). Mas, como dito linhas atrás, "A cabeça na cama" revela um bom escritor: Filipe Larêdo não apenas resolve com maestria os problemas criados, como reserva ao leitor um final perturbador, digno da história narrada e das afinidades do autor.
-------
P.S: O fato de em dado momento o texto se referir à cabeça como uma questão concernente à memória e ao reprimido (81), aliado ao outro fato de que na referida homenagem a "O Corvo" (2015), obra coletiva, alguns dos contos e poemas substituem o corvo pelo nosso urubu (é ainda significativo nesse sentido o nome do inusitado interlocutor de Tomás: Alfredo..., - leitores de "Chove nos campos de Cachoeira" entenderão -, assim como o desfecho da relação de Tomás com o pai, que, aliás, evoca conhecida tragédia de Sófocles, entre outros elementos), torna possível vincular, numa leitura secundária (que não considera apenas a intenção do autor, mas também o movimento da cultura e seus "restos psíquicos"), a presente obra, com sua cabeça falante e a se decompor, ao vasto conjunto de representações estéticas deste pássaro entre nós (Belém), conjunto que, no fundo, concerne a uma questão de memória/esquecimento a entrelaçar história, arte, cultura, psicologia da cultura (etnopsicologia) e filosofia. Entretanto, não é o momento de tal exploração. Por enquanto, é o caso apenas de destacar a obra de Felipe Larêdo, que faz valer o duplo investimento de tempo e dinheiro.
Em Belém, o livro está disponível na Fox Livraria.
Edilson Pantoja.
Comentários
Postar um comentário