UM ANÔNIMO RECONHECE DALCÍDIO JURANDIR NUM ÔNIBUS DO RIO




UM ANÔNIMO RECONHECE DALCÍDIO JURANDIR NUM ÔNIBUS DO RIO


Sabemos que "Chove nos campos de Cachoeira" (1941) venceu o mais “rumoroso" (Álvaro Lins) prêmio literário de sua época - o "Vecchi-Dom Casmurro" (Rio, 1940), cuja importância já dava por si mesma grande fama ao vencedor. Isso aconteceu com o "Chove" e com seu autor, que virou celebridade no meio literário, a ponto de aparições suas serem comunicadas aos jornais por anônimos. Veja transcrição abaixo. E tão logo o romance chegou às livrarias, a "Editora Vecchi" patrocinou um concurso de crítica, cuja campanha publicitária ficou a cargo de seu parceiro de prêmio, o jornal "Dom Casmurro", de Brício de Abreu. Muitas críticas foram publicadas, entre elas, de conterrâneos e amigos de Dalcídio Jurandir, como Machado Coelho, Bruno de Menezes e Cléo Bernardo. Durante a quarentena, pretendo trazer aqui algumas dessas críticas. Por enquanto, segue o texto do anônimo que viu e reconheceu o escritor em um ônibus no Rio:


“FOI ASSIM QUE CONHECI DALCÍDIO JURANDIR
(Leitor anônimo - “Dom Casmurro”, edição de 13/12/1941, p. 06).

Seria mesmo Dalcídio Jurandir o passageiro que ao meu lado estava sentado?
Lembrara-me de um retrato que há semanas atrás eu vira numa das páginas de DOM CASMURRO que anunciava a próxima vinda do romancista de “Chove nos campos de Cachoeira” para o Rio de Janeiro.
O formato da boca era o mesmo; porém os olhos, como iria eu saber se eram os de Dalcídio?
Na fotografia, as pálpebras estão descidas e os olhos que eu estava vendo eram vivos e, ao mesmo tempo, muito tristonhos. Seriam assim os olhos de Dalcídio Jurandir? Era, ou não era Dalcídio?
E o ônibus se arrastava pachorrentamente pela avenida afora, bufando vapor na frente e turibulando incenso de gasolina por trás.
Até que, finalmente, constatei que era de fato Dalcídio Jurandir aquele passageiro.
Foi instantâneo apercebimento. Dalcídio acabava de tirar do bolso um número de DOM CASMURRO.
Sei bem, que muita gente de cabeça nordestina lê o DOM CASMURRO, porém ,não sei porque esta foi para mim a carteira de identidade de Dalcídio Jurandir.
Perguntei de chofre:
- O senhor é o Dalcídio, escritor paraense?
E Dalcídio confirmou.
Ia para Estação do Méier e como também era este o meu itinerário, viemos conversando, hora sobre “Chove nos campos de Cachoeira”, ora sobre Raul de Leoni e muitos outros assuntos, como se já fôssemos antigos conhecidos.
De vez em quando eu pensava: interessante, este encontro.
E realmente foi, porque eu estou habituado a voltar ao meu tugúrio suburbano no trem elétrico e logo no dia após a chegada de Dalcídio Jurandir é que me dera nas telhas de perambular pela cidade e depois embarcar no ônibus na Praça Floriano. Eu estava Alegre. Ao meu lado eu via o escultor de Eutanásio, Irene e todas as estátuas que este Pigmalião conseguiu insuflar sentimento e vida.
Perguntou-me o nome e respondi que não possuía nome literário, mas que era um admirador dos que conseguem externar belos pensamentos.
No momento em que o ônibus passava pelo local onde existia a antiga ponte do Méier, atravessando a estrada de ferro, indiquei que fora ali que Gama tinha caído tragicamente.
E Dalcídio, prontamente, disse:
- Marcelo Gama…
Depois, franziu as sobrancelhas como se naquele momento sentisse as dores que sentira o poeta.
Chegamos ao Méier.
Indiquei a Dalcídio a rua para onde desejava se dirigir e depois de me prometer um encontro em hora mais calma que as 6 da tarde, nos despedimos.
E fui pensando assim: Seguiram para o norte os quatro audazes jangadeiros está no Rio o romancista de “Chove nos campos de Cachoeira”, audaz jangadeiro das letras.
E foi assim que um leitor anônimo conheceu Dalcídio Jurandir.”




Comentários

  1. Que bela narração! Cada frase, repleta sempre de belas imagens, é banhada pela poesia que expressa a profunda admiração do leitor a Dalcídio Jurandir. Amei!

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