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Mostrando postagens de fevereiro, 2020

POR QUE "CHOVE NOS CAMPOS DE CACHOEIRA" SOBREVIVE AO TEMPO?

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(Publicado originalmente como prefácio à oitava edição de "Chove nos campos de Cachoeira", Pará.grafo Editora (2019). Por Edilson Pantoja I “Chove nos campos de Cachoeira” — “Chove,” deste ponto em diante — é o romance inaugural de Dalcídio Jurandir. Ele o escreveu entre os vinte e os trinta anos de idade. Um pensamento de juventude, como disse algumas vezes sobre o romance, após o qual escreveu outros dez ao longo de aproximadamente quarenta anos. Escreveu-os retratos tão pungentes da dura realidade humana, que darão a impressão de fatalismo, pessimismo, e, em alguns momentos, cruéis. Paradoxalmente, o fez com esperança. Dez desses romances, inclusive aquele primeiro, pensamento de juventude, a quem transformará no embrião de uma série, por ele denominada “Extremo Norte”, dedicou à vida do homem paraense: uma série “sobre a vida paraense em termos de fi cção”, repetiu outras vezes. São eles, na ordem sequencial, além do “Chove”: “Marajó” (1947), “Três casas ...

NÃO EXISTE UMA LITERATURA PARAENSE?!

Por Edilson Pantoja "A palavra distingue o homem entre os animais; a linguagem, as nações entre si - não se sabe de onde é um homem antes de ele ter falado." J.-J. Rousseau (Publicado originalmente em fevereiro de 2003) Enquanto pensava a respeito do texto "Literatura Paraense existe?", de autoria do professor Paulo Nunes, tive, repetidas vezes, a afirmação acima a borbulhar em minha reflexão. Resolvi torná-la epígrafe de minha argumentação. Quis ver aí um mote que talvez me permita pensar uma perspectiva diferente daquela enfocada por Nunes. O pequeno trecho, constante do "Ensaio sobre a origem das línguas" tem por tema, conforme o próprio título da obra enuncia, a linguagem - linguagem verbal, deixe-se frisado. E é oportuno que se observe a relação entre universal e particular aí referida. Aprecio no trecho a importância que dá ao lugar (topos) - ao elemento pátrio, portanto - como sendo essencial para a constituição da identidade,...

O BICHO MAU E A LETRA DA ÁGUA

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“De novo se mexeu, ora coleando com amplas sinuosidades oscilantes, ora escorregando reta sobre o ventre...” ( Guimarães Rosa – “Bicho Mau” ). Por Edilson Pantoja (Publicado anteriormente nas revistas virtuais Caliban e Mallarmargens, em 2017) I O recente livro da poeta L uciana Brandão Carreira ,  A Letra da Água,  como se pode imaginar a partir do título, é dedicado à água, elemento primordial de toda vida. De tudo que há, se dermos razão a Tales de Mileto, precursor da busca por significação lógica sobre o  cosmo , a ordem natural. Em Tales, o que quer que seja ou venha a ser, se apresenta como diferença e multiplicidade daquilo que, em essência, ou latência, para usar um termo familiar à autora, também psicanalista, permanece o mesmo. Trata-se de  Hydro , fundamento de tudo, cuja maleabilidade o faz apresentar-se ora líquido, ora sólido, ora gasoso, ora em respectivas zonas fronteiriças, estados que perfazem todas as dimensões do que é. Com...

APRENDER A OLHAR É APRENDER A MORRER: SOBRE FOTOGRAFIA, FILOSOFIA E POESIA

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Por Edilson Pantoja (Pulicado originalmente no site Musa Rara, em 2012) Chikaoka, Miguel. Hagakure Existir é errar. Não necessariamente no sentido de quem, a dispor previamente do que é certo, opta pelo errado. Certezas são ficções temporárias de quem é trânsito. De quem é abertura, de quem, sendo, abre-se necessariamente à temporalidade. Para o homem, único existente entre todos os que vivem, a errância é condição. Ek-sistir quer dizer: deslocar-se, pôr-se para fora, abrir-se rumo a seus possíveis. Pelo que se poderá entender, noutra luz, o dito popular segundo o qual “errar é humano”. A reflexão vem a propósito de “Para se ter de onde se ir”, exposição fotográfica de Miguel Chikaoka, fundador da Associação Fotoativa, referência em experimentação e educação, há quase trinta anos, para as gerações que, desde então, em Belém, e daqui para fronteiras mais distantes, transitam ou constituem a cena fotográfica. O título, sugerido pelo curador Mariano Klautau Filho, e prontam...

BENONI ARAÚJO, UM CONTEMPORÂNEO

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(Publicado originalmente na revista virtual Caliban, em 2017) Boris Kossoy, maestro I “A vida apenas, sem mistificação”, diz o último verso de  Os ombros suportam o mundo , de Drummond, publicado originalmente em 1940, no livro  Sentimento do mundo . Começo por esta reminiscência algo “sinestésica” — uma, dentre outras -, a que  Sob a ira do mar , segundo livro do poeta Benoni Araújo, me reporta. Evoco-a como modo de aproximação receptiva, levado, desde a obra de Benoni, por afetos, termos que utilizo aqui naquele sentido empregado por Gilles Deleuze quando se refere à Arte enquanto campo de produção de  perceptos  — complexo de sensações e afetos, enquanto, por exemplo, a Filosofia, diferentemente, de acordo com tal filósofo, produziria  conceptos . É então com base nesse estado afetivo que direi um truísmo indesculpável ao afirmar que poesia é para ser lida, sentida — não, reportada conceitualmente, ainda que o meta-discurso, a crítica, tenh...