Quantas edições teve “Chove nos campos de Cachoeira” até o presente?



Edilson Pantoja



O romance em tela é de longe o mais reeditado da vasta obra de Dalcídio Jurandir. No entanto, uma nuvem de obscura incerteza parece pairar entre estudiosos quanto ao número de edições do “Chove”. Paira também sobre familiares do autor. No entanto, na iminência de uma nova edição, estabelecer o número correto de todas se faz necessário.


Imagem de capa da próxima edição do romance, retirada do site Catarse.

Um exemplo do primeiro caso de incerteza está nas declarações da professora Rosa Assis, a mais antiga estudiosa da obra dalcidiana em atividade (e cuja importância se mostrará ainda mais no final desse texto), quando declara, logo no início da apresentação - “Dalcídio reescreve o Chove” (página 07) - da edição de 2011 (7Letras), haver, antes dessa, “seis ou sete já publicadas anteriormente, inclusive uma edição especial (1997) e uma edição crítica (1998)”. Como exemplo do segundo caso, temos as informações do site oficial, com o nome do escritor, administrado pela Casa de Cultura Dalcídio Jurandir, sob orientação da família. Ali, na seção “Obras”, temos a exibição de imagens do que seriam sete capas, uma correspondente a cada edição. Mas, de início, vê-se que duas das supostas capas exibem o selo de “Vecchi Editor” e têm a data de 1941, ano que, até onde sei (com base no material coletado sobre o romance no jornal “Dom Casmurro”, assim como em outros veículos, no ano de 1941-2), não houve mais que uma edição. Como é sabido por todos os dalcidianos, a segunda edição (Editora Cátedra) só saiu em 1976.

Imagens e informações do site oficial

Tendo compartilhado tal problema com André Fernandes, um dos editores da Pará.grafo Editora, que organiza a nova edição do romance, este me referiu, após consultar um familiar do escritor responsável pelo site, que obteve, primeiramente, a informação de que não havia certeza, mas que, aparentemente, uma das capas em questão seria de uma edição comemorativa.

Poderia até ser, pensei comigo, mas, como dito, não havia suporte para tal especulação. Em todo caso, é curioso que dois “Choves” apareçam em fotos na web com a informação de serem de 1941...

Imagem retirada da web
Imagem retirada da web
Como preparava o prefácio da edição a sair, e a informação me era necessária, tanto pela escolha argumentativa quanto pela necessidade de estabelecer, afinal, a justeza desses números, eu precisava encontrar um norte. Lembrei-me então do livro “Dalcídio Jurandir, romancista da Amazônia” (Belém: Secult, 2006), organizado por Benedito Nunes, Ruy Pereira, sobrinho do escritor, e Soraia Reolon Pereira. À página 49 - consultei - está a imagem das duas supostas capas lado a lado, subscritas com a legenda “A publicação do Chove, capa e sobrecapa”, informação que trouxe alguma luz, mas não iluminou de todo, uma vez que, na legenda, a ordem em que aparecem os termos “capa” e “sobrecapa” não corresponde à ordem das imagens (quem conhece o texto de Roman Jakobson “À procura da essência da linguagem” me compreenderá). Ou seja: vim, vi e não venci...


Imagem reproduzida desde a pg. 49 de "Romancista da Amazônia". Logo abaixo da imagem se tem a legenda, tal como referido. 


É claro que o colorido da primeira imagem, à esquerda, me sugeria ser ela a sobrecapa, enquanto que a sobriedade na cor de papel, da segunda imagem, me indicava ser esta a capa. Mas eram apenas sugestões, baseadas talvez num costume com livros. Isto, porém, não me dava garantia, posto que há sobrecapas sóbrias (ver “A República” de Platão, da Fundação Calouste Gulbenkian, por exemplo); e há casos em que sobrecapas e capas são ambas estampadas (ver “O amigo Chico fazedor de poetas” - Belém: Secult, 2001). Havia, pois uma indicação, mas, não, certeza. Lembrei-me, em seguida, da informação vista em um dos textos receptivos, de 1941, constante em vários jornais - por exemplo, na edição 585 de “O Estado de Mato Grosso” (19.10.1941), autor não identificado, mas com expressões idênticas àquelas atribuídas a Álvaro Moreyra nas orelhas de edições da Falangola Editora (ver "Passagem dos Inocentes" [1984] e "Linha do Parque" [1987]): 

“Um nome desconhecido. Um livro estupendo. Vieram juntos do Pará, trouxeram aquela gente, aquelas paisagens, a vida de um pedaço do Brasil - vida vivida. A força de Dalcídio Jurandir está na realidade que ele foi encontrando em longas viagens pelo interior, no contato de sua juventude com a natureza e as criaturas presas a ela. Não é um autor que escreve. É um homem que fala”.

Veja-se a seguir o mesmo trecho no jornal, com pouca diferença:



E, a propósito do que eu dizia ter-me ocorrido, veja-se o destaque do último parágrafo:





Vecchi apresentou de forma esmerada este livro, que tem uma bela capa alegórica do pintor Jan Zach”.



Como se vê, esta informação sugere que a capa seja então a colorida, restando, pois, a suposição de que a outra imagem de capa, suposta capa, em cor de papel, seria mesmo, quem sabe, de uma reimpressão comemorativa, como especulado pelo familiar referido... No entanto, muito mais preciso que Álvaro Moreyra (aliás, um dos jurados do prêmio "Vecchi-Dom Casmurro"), nesse aspecto, é o autor, não identificado, de outra crítica a “Chove nos campos de Cachoeira”, publicada em “A Ordem, Revista de Cultura”, dirigida por Alceu Amoroso Lima, edição 121 (páginas 90-91), de novembro de 1941, em cujo final, lemos:



“Sob o aspecto gráfico, o livro editado pela Vecchi está bem apresentado. A sobre-capa é sugestiva. A capa ficaria melhor se lhe tirassem a vinheta em estilo antiquado e se dessem outra disposição aos dizeres relativos à obtenção do primeiro prêmio no concurso. Esses dizeres em círculo estão simplesmente detestáveis”.  



Problema resolvido! Trata-se, pois de sobrecapa e capa, esta, como dito por Álvaro Moreyra (tratando-a por capa), tem a arte de Jan Zach (1914-1986), o artista tcheco cujo nome - J. Zach - pode ser visto sob a sílaba final "RA", de "Cachoeira", na sobrecapa. Desse modo, a informação existente no site oficial precisa ser corrigida. Não são sete edições (sim, são mesmo sete - ver acréscimo ao final -: a correção deve ser de outra ordem), tal como lá informado, porque as suas supostas capas são, na verdade, sobrecapa e capa da mesma edição de 1941. Assim, temos que, como sabido, a segunda edição seja, pois, a de 1976, aliás, fartamente atestada, tanto pelos dados editoriais quanto por outros documentos, como as famosas cartas de Dalcídio Jurandir a Maria de Belém Menezes, de 1974, nas quais o autor fala da segunda edição a sair.

Capa da 2ª edição (Cátedra, 1976).

Isto posto, restam ainda outras questões sobre as informações do site oficial. Por exemplo, como mostra a imagem abaixo, a edição de capa azul-marinho, Editora Cejup, com larga faixa clara no meio e arte de Jaime Bibas, é identificada como 3ª edição.

Imagem retirada do site oficial
Em meu exemplar, de mesma capa (1995), porém, a ficha catalográfica informa ser a 4ª edição…

Mas, a ver-se bem, um detalhe chama a atenção. Há uma diferença entre ambas no entorno do logotipo da editora (parte inferior): na foto da capa exposta no site há a expressão “Cultural Cejup”, inexistente na minha, na qual não há informação de ser reimpressão, mas, como dito, é afirmada como 4ª edição:


Haveria, então, duas edições diferentes, mas com capas similares?

A propósito, matéria não assinada no jornal Diário do Pará, de 22.01.2018, em torno do lançamento da segunda edição de “Ponte do Galo” (Pará.grafo, 2018), informa, entre outros assuntos, que a Editora Cejup publicou o “Chove” em três ocasiões diferentes: 1991, 1995 e 1997”, ao que acrescenta, imediatamente, entre parênteses: “Com o Jornal Província do Pará”. Ora, considerando a diferença mencionada entre minha edição de 1995, identificada como 4ª edição, e aquela cuja imagem, também azul-marinho, aparece no site, dir-se-ia que esta seria então a 3ª, no que o site oficial parece então ter razão. Por outro lado, há no site uma outra imagem de capa, também Cejup, desta vez em verde-claro e identificada como integrante da coleção “Nossos Livros”, com selo da Secult e do jornal “A Província do Pará”:

Imagem retirada do site oficial

Trata-se, pois daquela há pouco referida na matéria do “Diário do Pará”, a corresponder, portanto, ao ano de 1997, identificada no site, e na informação da professora Rosa Assis, como “Edição especial”.

Então, ao que parece, a Editora Cejup lançou três edições, que, somadas à de 1941 (Vecchi) e à de 1976 (Cátedra), corresponderiam a cinco edições. A estas somar-se-iam a Edição Crítica (1998) e a Edição de 2011 (7Letras), ambas organizadas por Rosa Assis, que também aparece como organizadora da edição de 1995, e, provavelmente o será também das demais publicadas pela Cejup, sendo o caso de confirmar.

Imagem retirada do site oficial
Imagem retirada do site oficial.





















Caso tudo isto esteja correto, a próxima edição a sair (Pará.grafo) será então a oitava. E como é importante estabelecer esse número de uma vez, solicito a quem porventura tiver as demais edições da Cejup (1991 e 1997), favor verificar e informar se os dados aqui especulados estão corretos.


Kepos, 16 de fevereiro de 2019.



***
P. S: 
Em conversa pelo whatsapp com o André Fernandes sobre o caso das duas capas azul-marinho, da Cejup, quando finalizava este trabalhoso texto, ele, examinando seu próprio exemplar, confirmou ter a capa igual à exposta no site, com a expressão "Cultural Cejup" na parte inferior da capa, e confirmou tratar-se, pois, mesmo, da 3ª edição, também organizada pela professora Rosa Assis, conforme fotografias abaixo, por ele enviadas:




Isto posto, conclui-se, enfim, ao que parece, que até o presente houve sete edições do romance inaugural de Dalcídio Jurandir - "Chove nos campos de Cachoeira", cinco das quais organizadas por Rosa Assis. Que se procedam, então, se não há equívocos na interpretação dos dados mostrados, as atualizações no site oficial.

Comentários

  1. Das duas primeiras capas colocadas nesta postagem, ambas são da mesma edição (uma com contracapa e outra não).

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  2. Na edição critica de 1988 compilada por Rosa Assis, há um prefacio onde há um explicação que o nome dela aparece a revelia em algumas edições anteriores. A questão da primeira edição, a capa e sobrecapa, eram comuns nos livros da Editora Vecchi nesta época, o ilustrador Jan Zach fez também varias capas para os livros do poeta J. G. de Araujo Jorge desta editora.

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